sexta-feira, 12 de setembro de 2014

QUE LEI OU CATACLISMA INSTITUIU O CULTO AO DEUS MERCADO?

O Deus Mercado e a safadeza do rentismo

            Quem vive em imóvel alugado sabe do que estou falando: na hora de alugar um imóvel para morar, o candidato a locatário pena feito um miserável. Exigem comprovação negativa de débitos (te fazem pagar por certidões e ficha), bons antecedentes, avalista ou fiador, caução, o diabo a quatro. Por fim, você assina um contrato onde todas as normas só obrigam você a tudo, sob as estritas condições do locador – muitas vezes representado por algum advogado ou administrador de imóveis – e sob ameaça de pesadas multas e evicção por qualquer transgressão ou falha.

            A partir daí, você paga os reajustes anuais segundo índices apontados pelo locador, com a ressalva de que se houver índice mais alto ou periodicidade menor permitida por lei durante a vigência do contrato, esses serão utilizados. Paga o IPTU – que é um imposto sobre propriedade e não sobre o uso – devendo por tal razão caber ao proprietário e não a você, paga seguro contra incêndio e taxa municipal de incêndio (idem), paga qualquer dano causado ao patrimônio do proprietário, mas se algo não estiver funcionando bem é um problema seu já que devia ter notado o problema quando alugou o imóvel.

            Mas o pior ainda está por vir: ao fim do prazo inicialmente previsto para a locação, em geral de 30 meses, o contrato se torna a prazo indeterminado e o valor pode ser repactuado (ou melhor, majorado ao sabor da conveniência e vontade do dono do imóvel ou de seu advogado), passando a ser reajustado aleatoriamente a cada ano. Puta sacanagem!

           Nessa hora, a do reajuste aleatório, te falam que o reajuste régio que você pagou ano a ano não acompanhou o ‘mercado’, e que pela avaliação deles de mercado, o aluguel do imóvel já está valendo muito mais. Você então contesta que também fez uma pesquisa e que descobriu que já está pagando o teto do mercado para aquele tipo de imóvel e local, mas respondem que não é bem assim e que a procura é imensa e o jeito é pagar ou sair.

          Quem faz o mercado somos nós, a cada ação individual. Se chutamos o preço de algo para cima ou aceitamos qualquer imposição, estamos ajudando a inflá-lo. Se um bem essencial (casa, moradia) é mercadoria sujeita a normas unilaterais de valor, a parte mais fraca (isto é, quem depende desse bem para morar) está perdida e esse desequilíbrio na relação não se ajusta só por leis mágicas mercadológicas.

          O rentista tem seu direito protegido pela Lei do Inquilinato e pelo Código Civil, mas o locador só tem duas alternativas: ou paga ou sai, podendo fazê-lo voluntariamente ou ser expulso – caso no qual poderá fazer pé mole e dificultar o despejo, hipótese na qual poderá ser condenado a pagar custas processuais e mais multas. A Lei do Inquilinato não protege o inquilino – deveria, portanto, chamar-se Lei do Senhorio: seria bem mais fiel à realidade.

Obs: o programa Minha Casa Minha Vida, lançado no governo Lula em 2009 e agora em sua segunda etapa, já entregou mais de 1,5 milhões de casas novas e já permitiu a outras 4,5 milhões de pessoas terem acesso definitivo a imóveis já construídos.

2 comentários:

  1. Salve,
    Como é que vai?
    Amigo, a quanto tempo!
    Um ano ou mais?
    Posso sentar um pouco?

    Sentar para falar sobre seu texto... Senti na pele o que você narra muito anos. Na verdade, meus pais nunca foram proprietários dos imóveis onde residimos. Sou a primeira geração da minha família que possuo casa própria, que apesar de não ser da modalidade "Minha Casa Minha Vida" só foi adquirida após a expansão do crédito imobiliário, política de estado dos governos Lula e Dilma.
    E eu penso que na verdade ocorreu um cataclisma que instituiu o culto a Deus Mercado. Foi a temporada entre a derrubada do muro de Berlim e o desmantelamento da União Soviética, em 89 e 91 do século passado. Apesar de todas as suas mazelas e limitações, o socialismo soviético era mais que um contraponto ao mercado, era uma ameaça constante aos detentores do capital de que poderiam ser expropriados perante uma revolução inspirada no modelo leninista.
    Depois disso, o capital nadou de braçada. A própria Lei do Inquilinato que ilustra seu texto surgiu no esteio desses acontecimentos.
    E até hoje a direita mais neurótica vê perigo iminente da instalação do comunismo em qualquer ato governamental que não diga amém ao mercado, como o Mais Médicos, o fortalecimento das empresas públicas para intervirem no mercado com mão pesada, a PNPS, etc, etc...

    Um forte abraço!

    Marco

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    1. Prazer reencontrá-lo por aqui, Marco! E esse violão, anda bem afinado? Pois é, só nos resta torcer para que Dilma seja reeleita para que mais alguns milhões de brasileiros saiam da situação de terem que prestar contas anuais a senhorios (a própria palavra denota servidão ou diferença de status entre as partes em um contrato de aluguel de imóvel). Passei por essa situação essa semana, daí me veio a inspiração para o texto. Alguns amigos meus de twitter foram vítimas do ignominioso processo movido por Aécio, em mais uma tentativa de cercear a liberdade de expressão na rede. Resta-nos seguir denunciando e mostrando que o Brasil que eles pretendem é bem pior que o que nós pretendemos. No caso específico desse texto, eu posso pagar o reajuste abusivo, mas o faço com muita insatisfação porque sei que isso é parte de um mecanismo de espoliação que seres humanos desumanizados operam contra outros. A ação individual de cada um pode melhorar ou piorar o mundo.

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